sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Mobile Art - New York

Quando se está viajando acasos felizes sempre acontecem, pelo menos comigo é assim. Ao passear pelo Central Park em outubro deste ano eu e meu marido encontramos no meio do parque uma enorme estrutura branca que se assemelhava a um casulo. Curiosos fomos conferir. Descobrimos que era o container de Arte Contemporânea da Chanel concebido pela Arquiteta Zaha Hadid com a exposição Mobile Art. (http://www.chanel-mobileart.com)
Vinte artistas contemporâneos exibiam trabalhos inspirados nos elementos que dão à emblemática bolsa Chanel sua identidade. A exposição era gratuita, mas o tempo de espera na fila era enorme e acabamos optando, decepcionados, por não esperar.
Ao começar a sair do local fomos abordados por uma casal de coreanos que perguntou se gostaríamos de ver a exposição. Dissemos que sim, mas que estávamos desistindo devido ao tempo de espera na fila. Ele nos informou que tinha dois ingressos sobrando e gostaria de dá-los para nós, pois ele os havia reservado com mais de um mês de antecedência e o casal de amigos que eles aguardavam não pôde ir. Ele nos explicou ainda que era uma oportunidade única e por isso não queria perder os ingressos que tinha, mas gostaria de compartilhá-los com outras pessoas. Convencidos e satisfeitos aceitamos a bondade de estranhos e entramos imediatamente no “casulo”.
Ao entrar todos os seus pertences (bolsas, casacos, sacolas) eram deixados na entrada. Uma moça veio nos explicar que a exposição era uma experiência individual e que nos seriam dados fones de ouvido e através deles deveríamos seguir as orientações da voz narradora. Assim, coloquei o fone de ouvido e despedi-me de meu marido.
Era estranho abrir mão de referenciais de segurança para viver uma experiência desconhecida. A falta de referência do conteúdo da exposição nos permitiu fruir o momento com um novo olhar, sem julgamentos.
Uma música relaxante começou a tocar, depois de algum tempo uma confortável voz feminina se apresentou pedindo que eu me levantasse e virasse à esquerda. Depois de passar por um corredor escuro saí numa sala toda branca com duas cadeiras e pequenos ladrilhos no chão que formavam um campo florido, um enorme lustre transparente iluminava opacamente o ambiente. A voz pedia que curtisse o momento e apreciasse as obras, dando algumas informações técnicas de sua produção. A música ajudava a entrar no clima.
Em seguida a voz pediu que subisse as escadas e olhasse através de um fosso. Projeções digitais de metamorfose inspiravam reflexões sobre a passagem da vida. O tempo que se ficava em cada obra era definido pela voz, o que permitia perceber a obra mais profundamente. De lá fui instruída a descer as escadas e passar por cortinas pesadas que davam acesso a um quarto escuro. Apoiei-me num pequeno banco e fiquei apreciando a passagem de tempo e uma rua residencial. As pessoas passavam na rua, outras eram vistas através da janela de suas casas, ocupadas em seus afazeres. O dia nascia, chegava a tarde e caía a noite. O mais interessante era que a ação era vista pelo reflexo da projeção em poças d’água. À frente havia uma enorme parede escura que não tocava o chão e por isso nos permitia ver pelas poças a simplicidade e genialidade da obra.
Ao sair dessa sala avistei várias caixas de papelão expostas a uma altura que não me permitia ver seu interior. Ao aproximar a voz pede que olhemos dentro de cada caixa. A surpresa foi encontrar dentro da caixa duas pequenas mulheres, uma gordinha e outra magrinha, ambas nuas, brigando por uma bolsa chanel. As mulheres eram de verdade e foram filmadas de cima, no exato ângulo de quem observa o interior da caixa. Outras pequenas cenas pitorescas com a mesma mulher gordinha e nua ilustrava as outras caixas.
Várias salas e obras passaram e a exposição terminou, surpreendentemente em uma sala toda futurística, como um ambiente espacial saído do filme “2001, uma odisséia no espaço” de Kubrick. Uma enorme bolsa chanel aberta exibia em seu interior imagens de ação. A voz dizia em meu ouvido: “Esvazie sua bolsa”.
Ao passar pela bolsa, ainda no mesmo ambiente futurista, uma enorme árvore (de verdade) se apresentava aos nossos olhos. A voz pedia que pegássemos papel e lápis ali disponíveis para escrever um desejo, amarrando-o em seguida em um dos galhos da árvore.
A visita terminava ali.
Realmente foi uma experiência única vivenciar a Mobile Art. Tenho pena de não ter conseguido registrar todas as fantásticas falas da voz anfitriã, mas talvez o importante seja realmente a emoção da lembrança e não os detalhes em si.
Ao retornar pesquisei sobre a exposição e descobri o nome das obras e artistas que me proporcionaram essa agradável experiência. De todas elas gostaria de compartilhar com vocês o que descobri sobre a árvore, na verdade a “Árvore dos desejos” que descobri ser obra da Yoko Ono que em uma entrevista à Folha de São Paulo revela a origem da idéia:
“A idéia deriva de uma tradição japonesa que conheci na infância. Você tinha de escrever em um papel desejos relacionados apenas ao amor, à saúde e ao dinheiro e pendurá-los em uma árvore, que cresceria e levaria seu desejo para o alto. Mas acho que o desejo é livre e nas minhas árvores cada um tem a livre escolha do desejo.
Em Reykjavík, na Islândia, existe a Imagine Peace Tower, que inaugurei em 9 de outubro (aniversário de Lennon) do ano passado (2007). Então, todos os desejos eu mando para lá. Já encaminhei mais de 700 mil pedidos. Para mandar direto, coloque seu desejo em um envelope e mande para Imagine Peace Tower - P.O. Box 1009, 121 Reykjavík, Iceland.” (http://imaginepeace.com/news/)
Aqui fica o meu desejo a todos de um ano novo muito especial e mesmo se você não pôde conferir a exposição Mobile Art (que agora está em Londres e seguirá para Paris em breve) mande seu desejo diretamente para a Imagine Peace Tower. Quer goste da Yoko ou não a idéia é simbólica e bela, pois o que realmente importa agora e sempre é a Paz entre os homens. Por isso esvazie sua bolsa, livre-se dos preconceitos e curta cada momento da melhor forma que puder.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Simplesmente Amor

Nesta semana, alguns canais a cabo andam reprisando o filme Simplesmente Amor (Actually Love – Inglaterra – 2003), dirigido e roteirizado por Richard Curtis. Este filme passou desapercebido pelos cinemas. Eu só assisti a ele depois da Christine Veras me garantir que era uma ótima surpresa. De fato, é um filme que provavelmente nunca será listado entre os 100 ou sequer os 1000 maiores de todos os tempos, mas entrou logo para a minha lista de filmes a serem assistidos sempre que preciso de distração garantida (aqueles que não exigem muito do intelecto, mas não ofendem à inteligência, e ainda nos tocam de alguma forma).

Simplesmente Amor até adota uma fórmula que já vem se desgastando e se esvaziando: a de múltiplas histórias sendo contadas paralelamente, com os personagens interrelacionando-se ao longo da trama. A despeito de esta fórmula não parecer apresentar quaisquer novidades, adéqua-se perfeitamente a este filme. As diversas histórias apresentam várias formas de amor ao mesmo tempo que diferentes tons narrativos (nuances do amor dramático e do cômico).

A história de Billy Mack (Bill Nighy) é uma das grandes fontes de humor do filme e permeia toda narrativa. Uma das suas cenas mais marcantes certamente é de quando vai a um programa para adolescentes e termina dando um conselho para os “meninos e meninas” em casa: Não comprem drogas. Tornem-se um astro do rock, que te dão de graça. Também cômica é a improvável história de Colin Frissell (Kris Marshall) que vai à América atrás de garotas mais bonitas e liberadas que se interessassem por ele - e consegue isso em Wisconsin. Hugh Grant, como o primeiro-ministro inglês, vive uma comédia romântica ao se apaixonar por uma de suas funcionárias - depois de um típico breve momento de separação causada por um mal-entendido, acabam se entendendo numa cena em que parte das histórias se encontra.

Histórias mais dramáticas vivem Sarah (Laura Linney) e Karen (Emma Thompson). Sarah chega à beira de realizar seu sonho de ficar com Karl (Rodrigo Santoro) por quem é apaixonada, mas ao final temos dúvida se algum dia conseguirá dispor livremente da própria vida. Karen descobre a traição do marido, Harry (Alan Rickman), e vê seu casamento ameaçado para sempre (mesmo ficando juntos, percebe-se que algo se quebrou entre eles). Jamie Bennett (Colin Firth), por outro lado, começa numa história de traição (a namorada está tendo um caso com o irmão de Jamie) e termina numa comédia romântica (uma relação terna e empolgante com Aurelia – interpretada pela atriz portuguesa Lúcia Moniz -, uma história com direito a separação temporária, obstáculo da língua e superação).

Uma das minhas histórias favoritas é do amor impossível de Mark (Andrew Lincoln) por Juliet (Keira Knightley), mulher de seu melhor amigo, Peter (Chiwetel Ejiofor). A cena em que todos descobrimos que ele é apaixonado por ela está entre minhas favoritas. Assim como a do casamento e da declaração na noite de Natal.

Separei, dentre o que se acha no YouTube, quatro das minhas cenas favoritas que, não coincidentemente, têm trilhas musicais maravilhosas.

Peter e Juliet Karen e Harry Mark e Juliet Sarah e Karl

Sim, há muitas outras histórias em Simplesmente Amor, sobre as quais precisaria de muito mais espaço para falar. Aquela fórmula saturada do filme episódico faz todo sentido aqui: compõem os pequenos gestos, diálogos, tons e formas do amor.

Além disso, toda história se passa na época do Natal. Feliz Natal a todos!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

COMO TRANSFORMAR ELI WALLACH NA PERSONIFICAÇÃO DO FEIO

Ele poderia ser seu vizinho, o padeiro da esquina, seu tio, seu cunhado, até mesmo seu pai. No entanto, sem cicatrizes ou deformações aparentes, ele é o FEIO e Sergio Leone nos convence disso. É magistral a maneira como esse personagem é apresentado em sua primeira cena: como um monstro que se esconde em uma caverna e dela sai somente depois de ter “assustado” aqueles que vieram caçá-lo. Diferentemente, o MAU surge através de uma aproximação lenta, sem dissimulação. E o BOM, como um anjo da guarda, quase etéreo, aparece para proteger o “pobre FEIO”, mas também para fazer-lhe um contraponto, pois o BOM é Clint Eastwood, o BELO, que se fosse seu vizinho, o padeiro da esquina, seu cunhado ou o seu pai, você estaria perdidamente apaixonado(a). Assim, as crueldades cometidas pelo FEIO contra o BOM reforçam seus “títulos” já que elas podem ser claramente entendidas como inveja.

É evidente que alguns ângulos da câmera não favorecem Eli Wallach que colabora com algumas caretas na composição do seu personagem, o elemento feio na fotogenia geral. Aqui, o FEIO é MAU, como na cantiga popular levemente alterada “Boi, boi, boi... boi da cara feia pega este menino que tem medo de careta.”

Entretanto, sem muitos artifícios, é mesmo a comparação com o BELO que nos convence da “feiúra” de Tuco (Eli Wallach). Uma estratégia eficaz e recorrente no cinema. François Ozon se vale dela no filme 8 Mulheres, evidenciando-a através de um diálogo entre Catherine Deneuve e Isabelle Huppert no qual Gaby (Catherine Deneuve) diz à sua irmã Ausgustine (Isabelle Huppert): “Não tenho culpa se sou bela e rica enquanto você é feia e pobre.”Ora, se comparado à Clint Eastwood, Eli Wallach é o FEIO, por outro lado não seria difícil inverter sua posição se o comparamos com tantos monstrengos que já vimos nas telas.

A feiúra é, então, relativa e pode ser apenas uma máscara de proteção, como uma carranca na proa de um barco para afastar os maus espíritos. Diversas culturas praticam tal expediente. Mais uma vez, é a bela Catherine Deneuve que me vem à memória, quando no filme Indochina, interpretando Eliane, ela saúda o seu neto recém-nascido dizendo: “Como ele é feio!”, e acrescenta bem baixinho “É para protegê-lo dos maus espíritos, que viriam buscá-lo se descobrissem o quanto ele é belo”.

Então, chamem-me de O FEIO que também estarei protegido dos maus espíritos e quem sabe atrairei um anjo da guarda como Clint Eastwood, O BELO.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Angel Eyes, O Mau


Às vezes, nos deparamos com títulos e nomes de personagens que são uma síntese perfeita de seu espírito - só por isso mereciam um prêmio. Em O bom, o mau e o feio (Il, Buono, Il Brutto, Il Cattivo - Itália - 1966), chamado no Brasil Três Homens em Conflito, Lee Van Cleef é Angel Eyes, O Mau.

Nos extras do DVD duplo do filme restaurado, ficamos sabendo que os olhos de Lee Van Cleef, penetrantes e absolutamente inconfundíveis, pesaram sobremaneira na escolha do diretor Sérgio Leone. Um diretor cujo estilo dizem ser operístico, marcado por alternâncias radicais de um grande plano geral diretamente para um close up, pela dança de olhares sem fala. Mesmo na tela da televisão, o olhar de Lee Van Cleef é perfurante, atravessa a tela (palavras de Leone); fico imaginando o impacto no cinema, na sala escura, na tela grande...

Obviamente não é só o formato dos olhos e do nariz, Lee Van Cleef amedronta e consegue ser mau só de olhar para dentro ou fora da tela. Ao mesmo tempo, Angel Eyes move-se e age de maneira tão elegante e segura que não dá para deixar de admirá-lo, de sentir fascínio pelo Mal que tem uma lógica, que é elegante e inteligente... tudo que esperamos que o vilão não seja.

Este Mal Fascinante teve sua defesa mais inusitada nos anos 1950. A Disney produziu um programa de TV chamado Disneylândia, exibido nos Estados Unidos de 27 de outubro de 1954 a 04 de fevereiro de 1990. O programa era montado a partir da edição dos filmes produzidos pelo estúdio - que se notabilizara há muito pelo "bom-mocismo", pela infantilização da animação e edulcoração dos contos de fadas. Sem dúvida, meu episódio favorito é o nº 20, da segunda temporada, que foi ao ar no dia 15 de fevereiro de 1956, "Our unsung villains". Os vilões são defendidos ardorosamente pelo espelho da madrasta da Branca de Neve, com o argumento genial de que os vilões é que deveriam ser cultuados, pois eles são quem dão, literalmente, o sangue para entreter o público, para fazer mocinhos e mocinhas parecerem bem. Pura injustiça, pois estes, sim, são de uma crueldade atroz (basta um retrospecto das mortes e punições reservadas aos vilões pelas mãos dos mocinhos).

Logo na seqüência de apresentação de Angel Eyes, descobrimos a lógica d'O Mau. Ele está cumprindo um contrato: Baker quer descobrir o nome que Jackson está usando (homem que escondera o tesouro que desperta a cobiça de Blondie, Angel Eyes e Tuco - O Bom, O Mau e O Feio). Para isto, Angel Eyes confronta e mata um homem em sua mesa de almoço - não sem antes o homem tentar fazer uma contraproposta para que Angel Eyes matasse Baker. No entanto, Angel Eyes explica que ele sempre cumpre seus contratos.

Quando completa o serviço, ele dá ao moribundo Baker a informação, explica que matou o "informante", mas acrescenta que há um problema, ele fora pago para matar Baker: "O chato é que quando me pagam, sempre cumpro minha parte. Você sabe disso." Então, com justiça, ele mata Baker como matara o outro homem. O Mau é ético.

Nesta seqüência fica claro: este é o cara que deve ser temido, com sua frieza, determinação, habilidade e lógica inquebrantável. Para vencê-lo, Blondie e Tuco precisam se unir. Como a grande ameaça, Angel Eyes nem precisa aparecer muito durante a trama, quase toda centrada n'O Bom e O Feio. Para ser temido, a ele, basta um olhar.

O Bom, o Mau, o Feio e Il maestro

O filme que dá título ao nosso blog apresenta três homens em conflito ("coincidentemente" seu título em português) num western que se passa em plena guerra civil norte-americana (apesar de ter sido filmado na Espanha). Os personagens vivem encontros e desencontros em busca de um mesmo objetivo. No caso do filme, uma fortuna em dinheiro. Cada um sabe apenas uma parte do segredo que levará ao local onde o tesouro está enterrado e, por isso, precisam unir forças para encontrá-lo.

Como o Bom, falarei um pouco da trilha sonora composta pelo maestro Ennio Morricone em sua parceria com Sergio Leone. (Tive a honra de assistir ao vivo em São Paulo, neste ano, Morricone conduzindo a orquestra Roma Sinfonietta. Foi emocionante! Chorei de soluçar...)

Com trilhas sonoras inesquecíveis Il maestro, como é chamado Morricone, é um dos poucos compositores que, a pedido do próprio diretor, no caso Sergio Leone, participou desde a pré-produção até à finalização de seus filmes. O que pode explicar o fato de suas músicas ajudarem a expressar os sentimentos dos personagens de uma forma mais tocante que em outros filmes. No filme “The good, the bad and the ugly” (Il, Buono, Il Brutto, Il Cattivo - Itália - 1966) a música é quase um quarto personagem, nos possibilitando perceber emoções indizíveis por seus brutos personagens. O que na literatura está escrito nas entrelinhas, nos filmes de Leone, são as composições marcantes de Morricone. Diferente de muitos outros compositores, ele não tem medo de inovar e faz uso de todo tipo de instrumentos a serviço da melodia que quer criar e seu impacto na história e no espectador. Além disso, ele sabe usar um importante e muitas vezes esquecido elemento musical: o silêncio. O gênero western não foi o mesmo depois de Sergio Leone e Ennio Morricone*. Clint Eastwood também não.

* Importante lembrar que Morricone fez trilhas para os mais diversos gêneros cinematográficos. Em 2007 Il maestro recebeu um Oscar pelo conjunto de sua obra, reconhecimento tardio, mas sem dúvida merecido.