terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O 3D digital e a expectativa em torno de Avatar

Os comentários de cinema desta semana foram dominados pelas notícias do assombro causado por Avatar de James Cameron. Os críticos parecem unânimes em exaltar o filme, com um cuidado particular de frisar que não se trata apenas da tecnologia 3D, mas que a história do filme é muito empolgante, uma narrativa muito bem estruturada. Um feito que James Cameron já havia conseguido com Titanic (1997). Num momento em que a tecnologia digital causava muito mais frisson que agora (já amortecidos que estamos diante do bombardeio de imagens digitais), Cameron integrou os efeitos visuais à narrativa. Pode-se até não gostar de Titanic – questão de preferências pessoais sobre a qual não quero me deter -, mas há de se reconhecer que em nenhum momento o filme parece ter sido feito para o efeito visual; ao contrário, o efeito visual está em função da narrativa, da necessidade de concretizar visualmente as situações dramáticas roteirizadas.

Confesso que fiquei muito impressionada com o trailer 3D de Avatar. Era muito nítida a diferença da imagem do filme de Cameron em relação aos outros trailers e ao próprio filme a que fui assistir. A minha sensação em tão pouco tempo (o trailer deve durar uns 2 minutos) é de que a tridimensionalidade mais impressionante é a da construção para dentro da tela – embora, lógico, houvesse, no trailer, muitos objetos e personagens que avançavam em direção à platéia. Penso agora que talvez tenha me sentido como os primeiros espectadores de cinema – há um relato de que no filme Repas de bebe (1895), em que Louis Lumière filmou seu irmão Auguste e sua esposa alimentando o bebê, os espectadores ficaram tão assombrados com o realismo e detalhe da movimentação dos galhos e folhas das árvores em segundo plano quanto com a própria ação registrada. Essa forma de utilizar o 3D, sim, me impressionou, e até empolgou, bem mais que o avançar de personagens e objetos sobre o público. Ampliar a tela plana para dentro tanto quanto para fora parece-me um caminho possível, não apenas um modismo. O trailer de Avatar me fez pensar que talvez seja possível me acostumar com esta visualidade, mais que isso, com esta nova experiência espacial no cinema.

Assisti até o momento a três filmes em 3D digital: Coraline e o mundo secreto, Up – altas aventuras e Tá chovendo hambúrguer. A respeito dos três, posso dizer que foi bem comedido o uso do 3D – não há exageros na projeção para fora da tela. O que acho ótimo, pois, apesar de toda empolgação com o 3D do Avatar, sou daquelas pessoas que gostam de cinema, não de demonstração de computador. Desagradam-me, até me irritam, os filmes feitos apenas para exploração da técnica. Reconheço a necessidade disso para o desenvolvimento de algo novo – afinal, o início do cinema foi também esta experimentação, na base da tentativa e erro e da observação do que dava certo em relação ao público e do que oferecia novas possibilidades e poderia ser incorporado à nova linguagem -, mas prefiro os filmes nos quais os efeitos e a tecnologia estão em função de algo e não de si mesmos.


Coraline


Gosto muito da visualidade e da animação do filme de Henry Selick, embora a história não consiga me envolver – a menina é adolescente americana demais para meu gosto. A abertura, sim, é encantadora; trilha, animação, objetos que saem da tela... tudo contribui para que o espectador entre neste universo mágico da história, da animação stop motion, da imersão proposta pelo 3D.

Sim, sou consumidora compulsiva de animação de todo tipo e nacionalidade, desde criança quando não perdíamos sequer uma matinê Disney. Como sou a terceira de quatro irmãos, e tivemos um pai que, possivelmente, gostava mais que os filhos de Quadrinhos e Animação, me tornei espectadora de cinema antes mesmo de entender o que era. Não me lembro do primeiro filme a que assisti, é como se o cinema sempre tenha estado em minha vida, desde sempre.

Não que seja um incômodo enquanto se está assistindo ao filme, mas me ressinto no Coraline de o stop motion parecer computação. Não sei se a tecnologia 3D se sobressai tanto que perturba a percepção de que são bonecos sendo movimentados tão fluidamente ou se a tecnologia 3D na filmagem, na finalização e/ou projeção altera a imagem o bastante a ponto de apagar os traços da técnica de animação de bonecos. O que é uma grande lástima! Acredito que a grande magia do stop motion seja se deixar perceber como uma técnica que movimenta objetos inanimados, sujeitos às leis da gravidade, ao espaço que também habitamos (mas que não permite que objetos se movimentem sozinhos, que ganhem vida). Mas este não é um “problema” só do Coraline. Tive alunos que acreditavam piamente que o A noiva cadáver (2005), de Tim Burton, era pura computação. A excelência na criação de mecanismos de movimentação, de expressão facial, de filmagem e na técnica de animação dos bonecos tem caminhado para um fotorealismo que, paradoxalmente, obscurece essa mesma excelência técnica. Tudo parece digital e o digital anda banalizado.


Up

Surpreendentemente, para mim, das três animações em 3D a que assisti, Up me pareceu a que menos explora (para o bem ou para o mal) a tecnologia. Lá pelo meio do filme dá até para esquecer que estamos assistindo a um filme em 3D – não apenas por causa da narrativa, mas por que parece que a imagem não tem mesmo o tempo todo uma construção perceptível do 3D. Não chega sequer a ser um problema, afinal, a Pixar prima pela narrativa aliada à tecnologia. A história de Up é bem contada e encantadora o bastante para prender o espectador.

Um dos melhores momentos do humor do velhinho é de uma cena que aparece já no trailer do filme. Quando acaba de "decolar" e ele está feliz dentro de casa, ouve alguém bater à porta. É o escoteiro. Diante de uma criança apavorada na varanda e que pede para entrar, ele é categórico: Não! E fecha a porta.







Tá chovendo hambúrguer


Eu assisti ao Tá chovendo hambúrguer por puro acaso – fiquei presa no shopping numa tarde de tempestade em Belo Horizonte e ia começar uma sessão daí a meia hora. É um filme bastante esquecível, dispensável em termos narrativos e tecnológicos. A história caberia num curta-metragem muito bem, o design dos bonecos é muito pouco atrativo e, confesso, nem me lembro do 3D do filme. Este filme me lembra as discussões do meu orientador, Heitor Capuzzo, numa disciplina da pós, quando ele criticava justamente a visão obtusa atual de que tudo deve ser feito em animação 3D digital (como se houvesse uma evolução no cinema pela qual toda técnica anterior é extinta e se torna obsoleta diante de uma nova). A construção de personagens, não só no cinema, mas também na literatura e no teatro, permite que sejam pensados como seres complexos ou superficiais, os quais recebem os nomes, bastante apropriados para nossa discussão, de personagens redondos ou planos. Deve-se pensar na técnica de animação a ser utilizada também em função da construção dramatúrgica da personagem. Em Tá chovendo hambúrguer vejo a ilustração do problema de fazer em 3D, isto é, tridimensionalmente, personagens que não têm mais que uma dimensão, planas. Há uma incongruência fundamental entre a dimensão visual e a dramatúrgica. Nem o mais impressionante 3D daria profundidade a esta animação. Bem... este não é o único problema do filme, mas talvez em 2D fosse mais apropriado.

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Diante destas minhas três experiências com os filmes 3D, só resta esperar para ver Avatar. Só para ser a voz dissonante, antes mesmo de ver o filme: o 3D do trailer me impressionou, mas não os seres digitais, os Na´vis. Tenho problemas com este tipo de criação no cinema - Acho que JaJa Binks me traumatizou mais do que pensava.

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Sobre o problema da legendagem – isto é, o porquê temos que sofrer assistindo aos filmes 3D digital dublados, leia post do UOL Cinema de 17/03/2009.

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